Era um dia na roça, uma
pequena revolução francesa, um período de razão numa forma de doces caseiros.
Com estas palavras o destacado Filósofo Ralf Waldo Emerson descrevia A Fazenda
Brook, um golpe de sorte à racionalidade individualista da época, que se
converteu em um dos experimentos de maior prestigio entre os numerosos ensaios
comunitários que proliferaram nos Estados Unidos no decurso do século XIX.
Transcorria o ano de 1841,
quando a paradisíaca fazenda leiteira de quase 78 hectares nas margens do
sinuoso rio Charles foi ocupada por um grupo de intelectuais, musicólogos,
escritores, e entre os quais encontrava-se o famoso novelista Nathaniel
Hawthorne, várias damas da sociedade e dois experientes fazendeiros, comandados
por Georges Ripley, com a intenção de assegurar uma união mais natural entre o
trabalho manual e o trabalho intelectual, bem como conciliar o pensador ao
trabalhador, preparando assim uma sociedade de pessoas livres, cultivadoras
casa coisas do espírito e cultas, cujas relações recíprocas permitiriam uma
vida mais integra e simples, capaz de se sair imune diante das pressões de
nossas instituições competitivas e da sociedade repressora de uma vida livre.
A aritmética e o conforto se
transformaram na formula mágica de Ripley, que abandonou seu magistério para
buscar a Utopia. Mas em suas próprias bases, a comunidade encontrou seu próprio
germe de destruição, já que sendo oficialmente uma associação de indivíduos e
não uma associação comunitária, onde os membros compartilhariam todas as
propriedades, a fazenda Brook se organizou como uma companhia de ações
conjuntas com títulos de 500 dólares cada um, e sob um sistema de juros de
cinco por cento.
Aspirava-se que dessa
maneira, a taxa inicial seria o suficiente para sustentar os primeiros custos
da propriedade, proporcionando sustento às famílias e cobrindo os gastos de
operação do primeiro ano. Porém, o que na imaginação parecia belo e sem
defeito, como projeto, nunca se efetivou por completo. Desde o início, foram
raras as ocasiões em que existiram técnicos e artesãos suficientes para
estabelecer as indússtrias da comunidade e promover o desenvolvimento econômico.
As duvidas e os problemas
foram aumentando com o tempo. Escassearam-se os membros instruídos e não foram
suficientes os dois experientes fazendeiros.
O lugar revelou-se desfavorável e foi preciso comprar toneladas de
fertilizantes e complementá-las com o lodo para adubar o terreno. Tudo isso
exigiu maior capital do que fora estabelecido pelo contrato, e consequentemente
a fazenda se endividou. Não obstante, nem tudo foi adversidade. Ocorreram experiências
que deixaram a marca dos sonhos desses homens: os fazendeiros se dedicaram à
vida social e agrícola, frequentemente havia apresentações de comédias teatrais
e música no refeitório comunitário, logo após serem lavadas as louças do
jantar. Ocorreram festivais de verão, festas “capiras”, bailes carnavalescos,
recitais e apresentação de balé, os grupos de estudos filosóficos se reuniam
com frequencia e a enorme biblioteca de Ripley estava sempre repleta de
pesquisadores, entre os quais, Emerson, Füller, Acott, o exímio orador e
reformista trabalhista Orestes Brownson, etc.
A fazenda Brook, como a
maior parte das experiências comunitárias cheias de boas intenções, e se
defrontou rapidamente com o que havia mencionado o filósofo Emerson, ao
reconhecer que por mais bem intencionados que fossem, tais tentativas somente
criaram revoluções ilhadas que sobreviveriam graças à tolerância da sociedade
global, cuja modificação almejavam. Dessa maneira, segunda as previsões do
pensador, na manhã de 3 de março de 1846, a fazenda, convertida então em falanstério
tipo Fourier, ficou praticamente extinta. Para comemorar a ocasião, realizo-se
um baile. Infortunamente quando a orquestra iniciou seus acordes, ocorreu um incêndio,
cujas labaredas eram visíveis a vários quilômetros de distancia. Todos os
esforços para apagar o fogo foram inúteis. Depois, tornou-se impossível arrecadar
mais fundos para a utópica fazenda.
Ficou na memória uma breve
historia de um sonho que um dia há de vingar e prosperar. Esse tipo de semente
demora para fazer nascer a árvore, mas ela nascerá um dia. Até lá, mergulhado no silencioso labor de quem cuida do Jardim, espero o caule do tempo que sobe a escada da esperança.
Helder Modesto - filósofo, escritor e professor
Helder Modesto - filósofo, escritor e professor