Para os gregos antigos, que
fizeram as primeiras experiências democráticas, que imaginaram as normatizações
sociais reconhecidas como criação humana e do apreço à estilística, viver em
sociedade significava a valorização da comunidade democrática, sendo do
interesse de todos que tudo girava no campo da dimensão coletiva. Ser um
cidadão da Polis significava, antes de mais nada, o direito à palavra, isto é,
a expressar a sua opinião para o equilíbrio do exercício do poder. Isso fazia
da política o campo inseparável da ética.
Hoje, se pensarmos o Brasil,
que é o que nos interessa nesse pequeno texto, devemos nos perguntar: porque a política
nossa de cada dia, essa que é feita pelos profissionais da área, por setores da
imprensa e por membros de alguns partidos, está sendo sempre mobilizada pelos
piores afetos possíveis? Qual é, pois, a natureza da raiva do público? Desde
Espinosa, que melhor pensou a questão e a causa, afirmava que a raiva, esse
afeto negativo, é perniciosa para nossa liberdade e tem o poder de diminuir a
potência de agir. Estudos na área de psicologia revelam que, num nível básico,
as pessoas imitam inconscientemente as expressões de um interlocutor. O efeito
desse arremedo vem acompanhado de um forte contingente emocional projetado por
um líder, que descarrega uma emoção forte, como a raiva, e toda a sua frequência
é absorvida pelo grupo, ou grupos de pessoas, que passam a responder a partir
dessa disposição emotiva negativa.
Assim, o discurso inflamado
de homens públicos pode desencadear a raiva oculta entre os eleitores, que está
sempre prestes a se manifestar em um líder irascível, de temperamento agastado ou
com uma ideologia de exclusão que ganha então um corpo próprio e, sem controle,
deixa irromper o bárbaro que ainda se alberga no ser humano.
Políticos e lideranças têm
um papel essencial na lógica da imposição discursiva. Os atores sociais com um
melhor preparo emotivo também são aqueles que vão instaurar os discursos a
interpretarem a realidade e regerem o espaço social. Suas falas e exigências
revelam um tom conciliador, procurando manter os afetos sob controle [Mathias].
O homem precisa conhecer
melhor aquilo que o escraviza: o medo da liberdade, a ignorância, suas ilusões,
isso tudo leva a considerar se o homem é determinado por suas circunstâncias ou
forças que não pode controlar ou é livre para escolher ou optar. Espinosa
afirma que a impotência do homem condicionado pelas afecções convertia-o em
escravo. Sua concepção é a da conquista da liberdade pela razão e vontade,
evitando distrair-se de diversas maneiras por causas externas, procurando
conhecer-se essencialmente a si mesmo. É o retorno ao exercício da reflexão socrática:
conhece-te a ti mesmo, para que venha saber o que ignora.
O homem é o único ser que
faz perguntas a si mesmo e se sente problema. Essa atividade reflexiva dialogal
consigo mesmo se faz objeto, o que permite assumir uma atitude critica e responsável
pelos seus atos e sentimentos.