É comum
alguém dizer: seja racional. Outras vezes, referindo a uma situação
determinada, diz-se: use a razão e não a emoção. Quando alguém está apaixonado,
diz que deveria ter seguido a razão. São expressões bem comuns, mas nada
mais equivocado para ambas as situações citadas. Nossa vida e nossas ações não
cabem num manual de recomendações práticas, como se tudo que precisássemos, em
determinada momento, dependendo de cada situação, fosse só sacar o manual com
as indicações de uso correto, ora fazendo uso da razão, ora das emoções, tudo
numa estreita observação do script, para sermos bem sucedidos. Mas as coisas
não funcionam bem assim.
Ao longo dos
séculos, a razão tem sido proclamada como um dos principais meios de chegar a
alguma certeza de conhecimento. Mas foi com o advento do desenvolvimento
cientifico [só para nos situarmos melhor para essa pequena reflexão], que a
razão deixa de ser razão iluminada, entrando numa faze de domínio, aliada da
ciência, e passa a ser chamada de razão instrumental. Mas nem sempre foi assim.
Como a razão
proporcionou ao homem respostas diretas e axiomáticas para muitas questões que
o intrigavam e preocupavam, antigos filósofos (e muitos de períodos
relativamente mais recentes) a equipararam à inteligência divina. Seu poder, se
nos servirmos do mito grego para elucidar essa questão, é como o fogo que
Prometeu trouxe à terra e o presenteou aos homens.
Os filósofos
antigos entendiam a razão como o mais elevado dos processos mentais comuns do
homem. A razão luta continuamente para unificar a experiência, uma vez que
procura converter o desconhecido em conhecido. É ela que procura uma possível
causa por trás dos efeitos. A mente racional é a verdadeira mente pensante.
Raciocinar é analisar deliberadamente idéias e depois combiná-las numa
continuidade útil e compreensível.
Entretanto,
nem todo raciocínio é necessariamente pragmático, ou seja, está ligado aos
aspectos práticos do dia-a-dia. O ser humano não é só razão, sabemos disso; ele
traz uma outra dimensão em seu próprio interior, formando os dois mundos da sua
própria unidade, a saber, o consciente e o inconsciente. E isso, quando
não sabemos mais, por conta do corte operado pela razão instrumental dos
últimos séculos -, fazer uso dos dois mundos que trazemos em nossa psique
[consciente/inconsciente], tendemos a ficarmos desorientados e sem
conseguir organizar nosso próprio mundo.
Mas a razão
provê de fato uma orientação pessoal para a nossa vida, porque nos proporciona
uma compreensão que diminui a confusão. As respostas ou soluções de nossa razão
pessoal podem não ser infalíveis, mas nos proporcionam realmente pelo menos uma
justificativa temporária para os atos que dela decorrem. Os atos provocados
pela razão constituem um impulso íntimo, isto é, sabemos que estamos sendo
impelidos pela força do nosso próprio pensamento.
Aristóteles disse
que a razão ativa é um movente não-movido, ou seja, uma espécie de inteligência
cósmica na qual tem existência toda forma, toda realidade. Ela move o homem e
todas as coisas de modo que se manifestem, mas ela própria é não-movida.
Segundo Aristóteles, essa razão ativa está infusa no ser humano e guarda uma
relação divina.
Plotino, o
filósofo neoplatônico, declarou que a razão contemplativa é a alma. A essência
da alma, disse ele, busca a verdade contemplativa que é a prerrogativa da Razão
Divina. A razão humana comum, afirmou, é o que mais se aproxima da razão
contemplativa que constitui a alma. Nisso, então, podemos perceber a doutrina
de que a alma e a razão contemplativa constituem um portal para a inteligência
divina, em que se acredita que repousa a verdade em seu estado absoluto.
Num período
relativamente mais moderno, Immanuel
Kant declarou que nosso mundo apresenta três aspectos: 1) um
sujeito racional e perceptivo, como o homem; 2) um mundo de fenômenos que esse
ser racional percebe; 3) os objetos de pensamento em geral. Segundo Kant, a
razão tenta introduzir unidade absoluta em cada um desses fatores. Em outras
palavras, Kant afirmou que a razão busca a alma como o campo unificador da
atividade da mente. Podemos deduzir disso que Kant sugeriu que a razão é o
instrumento usado pela alma ao revelar ao homem o vislumbre que ele tem da
realidade.
John Locke,
filósofo inglês, em Ensaio sobre a Compreensão Humana, perguntou por que o ser
humano raciocina tão mal. E ele mesmo deu três respostas para essa pergunta.
Primeira: a maioria das pessoas nunca raciocina. Elas se deixam levar pelo
pensamento de outras e nutrem opiniões por mera crendice e não por investigação
pessoal. A autoridade alheia em que se baseia a sua crendice gera certeza, mas
é perigosa porque leva a aceitação muitas vezes intolerante, fechada e
dogmática.
Assim sendo,
não se trata da afirmação de que a razão pode dominar a emoção, como diria
muito bem Espinosa. Elas não estão em oposição. Pelo contrario. Somos
razão e emoção.