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terça-feira, 30 de outubro de 2012

Encontro Marcado – quando todo tempo que importa é o tempo que nos é dado


ENCONTRO MARCADO 




O anjo da morte (Brad Pitt) resolve vir a este mundo para aprender com o Bill (Anthony Hopkins), o cara que o anjo já havia sondado antes de descer.
O anjo decide que vai conhecer o nosso mundo com o auxílio de um cara que ele levaria para o outro mundo assim que chegasse sua hora, o que aconteceria em poucos dias.
 Segundo ele mesmo afirma, assim que Bill pergunta quem é ele e por que está ali:
- “Imagine milênios e multiplique por eras e ciclos infinitos. É o tempo que existo. Mas só recentemente você provocou meu interesse. Pode chamar de tédio. Eu, o elemento mais duradouro e essencial da existência, tive curiosidade de te ver. Por todas as virtudes que apresentou, por isso você foi o escolhido”, responde a morte.
- Escolhido para quê? pergunta Bill
- Para me mostrar o mundo. Me servir de guia. Em troca disso você vai ganhar tempo, minutos, dias semanas, responde o Anjo da morte.
Sentindo a perturbação de Bill, a morte tenta evitar as delongas: “mas não nos prendamos a detalhes. Importa que eu continue interessado”, finaliza o anjo Louro.  
- Você é a morte? Pergunta Bill.
- Sim, responde ele.
- Vai ficar muito tempo? pergunta Bill.
- Espero que sim, responde o anjo da morte.
É com a chegada do anjo da morte que toda a vida do magnata e da família é alterada. Com isso, depois de uma conversa metafísica entre os dois, ambos chegam a um acordo para que tudo saia como a morte planejara. Bill, intrigado e tomado por tamanha surpresa, parece resignado. Mas não está com medo. Parece meio triste. Diante do inevitável, Bill o leva junto com ele para sua empresa. O anjo da morte avisa que quer ir para o trabalho do Bill a pé. Avisa que quer sair, que quer conhecer o mundo. Eles saem e se dirigem para a empresa do magnata Bill. Enquanto caminham pelas ruas cheias de gente, o Anjo está deslumbrado com este mundo e com as pessoas. Tem pressa para aprender com o seu guia, homem experiente, prático e bem sucedido, mas tem poucos dias.

A cena se move para a casa do magnata Bill, pai da linda Susan e da infantil Allison. Um jantar em família. Diante do convidado inesperado, pedem que Bill apresente o convidado. Bill vacila e não consegue, logo nos primeiros minutos, dizer quem é o convidado e qual o seu nome. Depois de uma longa pausa, pensando o que falar, Bill diz que o seu convidado se chama Joe Black. Sentam-se à mesa e começam a jantar. Joe, o anjo louro e belo, está interessadíssimo em tudo que lhe oferecem os seus sentidos. Mas uma coisa haveria de impressioná-lo e mudar o seu aprendizado aqui na terra em todos os sentidos. A belíssima Susan, médica e filha do Bill. Ele se apaixona por ela. E vice-versa.

Depois do jantar, fascinado pela encantadora Susan, Joe a procura. Ela fica surpresa com o anjo louro, parado no meio da sala a observá-la. Ela se volta para ele e diz:
 - Joe, estou com o Drew, diz ela.
- Não agora, responde ele sem culpa e como quem tem a urgência do tempo.
- Tenho de ir. Sinto por ter dito isso, diz Susan.
- Não sinta por nada, responde ele.

Ela parece surpresa e encantada com a resposta dele.

A cena se move para o interior da empresa do Bill. Joe e Bill estão no escritório. Joe está comendo um lanche. Sente todo o prazer de quem come pela primeira vez. Ele não desperdiça a chance de apreciar tudo que vê e toca.

Joe pede que Bill fale de sua esposa (que já morrera). Bill faz um relato muito emocionado sobre sua amada esposa, agora em outro mundo. Diz que não há um dia que não pense nela. Joe ouve atentamente a história. Tem todo o interesse do mundo. Ao finalizar a narração, Bill olha tristonho para o anjo da morte e fala: “que há de se fazer. Você já ouviu isso um trilhão de vezes”. O anjo responde que já ouviu muito mais de um trilhão. Joe pede que Bill conte como ele e sua amada esposa se conheceram. Ele está mais interessado no que sente, na paixão, no amor, não nas suas lamúrias. Diz que quer ouvir todos os detalhes porque isso muito lhe interessa. Bill narra todos os detalhes com um misto de tristeza e saudade. Lá pelas tantas, Drew interrompe a historia e entra na sala falando de negócios e mais negócios. Joe não gostou. Há coisas mais interessantes para se falar. Joe olha para Bill e pergunta: “por que a esta altura, se preocupa tanto com os negócios?” Bill lhe dá uma resposta nada convencional, ao responder: “Uma prova de que queremos fazer bem feito e entrar para a eternidade as nossas ações na admiração da posteridade”.

Os antigos gregos viam nas grandes ações do homem o selo gravado na eternidade. Assim como os deuses, os homens não seriam esquecidos. O esquecimento era um sinal de que a vida foi desperdiçada. Era um erro irreparável.

No jantar com a família, com a presença de todos, Bill quer fazer um discurso, mas fala que esqueceu. Diz que gostaria de falar muitas coisas. Joe está atento a tudo. Todos sentem-se emocionados pela atitude do Bill. Jantar a luz de velas, a casa imensa, confortável, o convívio alegre, champagne, sucesso financeiro, enquanto a morte se deslumbra diante da intensidade do momento. Bill disse que queria falar tanta coisa, mas não consegue e desiste. De repente, sentindo-se motivado pelo calor do entorno, sabendo que restam poucos dias para estar ali, levanta-se e propõe mais um jantar para o outro dia. As duas únicas filhas ficam extremante alegres. Algo parece mudado no ambiente familiar. E para melhor (nada como a morte ao lado, para riscar todos os desapegos e insignificâncias). Bill beija carinhosamente suas duas filhas, Susan e Allison. Joe está encantado. Tudo é importante para ele, que tem pressa de viver e aprender.
Ambos, Joe e Bill, só eles sabem que cada minuto conta e que precisa ser bem aproveitado. Bill, o pragmático e experiente, parece pensativo o tempo todo. Joe (a morte) só deseja aprender sobre a vida, conhecer.

Durante o almoço, com um ar de inocência sobre suas primeiras impressões, Joe menciona que esteve no hospital para ver a Susan. Elogia Susan e diz que ela é uma excelente médica. Drew não gosta. Bill fica intrigado com a ida de Joe ao Hospital. Lhe faz perguntas, mas Joe vive dos encantos da vida, aprecia tudo que vê, sente, toca e ouve.

Bill exige uma resposta de Joe. Quem não responde as minhas perguntas eu demito, disse Bill. Joe olha para Bill e pergunta:

- Vai me demitir, Bill? pergunta a morte.

Bill se cala impotente. Por um momento ele esqueceu-se dos limites do seu poder e de que estava falando com a morte.

Enquanto isso, na sala, logo após o almoço, Susan e Drew se desentendem. Ciúmes e antipatias a Joe encerram o almoço. Nada importante, diria a morte. Uma perca de tempo.

Susan e Drew se despendem. Susan, de olhar calmo e meigo, volta-se para trás a procura de Joe. E lá está ele. Os dois se olham. Ela caminha em sua direção. Seus passos parecem ter a leveza do momento. O olhar inclinado para o solo parece nada observar. Seus pensamentos não formulam nada. Somente algo a move por dentro e a leva em direção a Joe: a paixão.  Ao aproximar de Joe, Susan lhe pergunta:
- Há quanto tempo está ai?
Joe demora a responder. Parece embevecido pelo rosto angelical de Susan. Seus olhos brilham e revelam o que sente seu coração. Está apaixonado por Susan. Ela se aproxima mais de Joe e diz:
- Me fale mais de você, Joe. Quem é você? Que faz aqui, com o meu pai?
Pronto, ela faz as perguntas proibidas. Não por qualquer outro motivo, mas essas perguntas “quem é você”? “de onde vem?” “para onde vai?” são as sonoras perguntas que as lendas e Mitos conservaram na memória do tempo, para que ninguém ouse – quando gostar de alguém – jamais fazer essas perguntas. Vide o Mito de Eros e Psique. A história é antiquíssima, mas os erros são recorrentes.
Joe a olha fixamente. Parados no meio da sala, sob a pouca luz que vem dos abajures, seus olhos se encontram. Susan usa a pergunta clássica de quem não aguenta mais esperar.
- É casado, não é?
Ela tem um olhar meigo, seus cabelos castanhos escorrem até os ombros. Um leve sorriso ilumina seu rosto pálido e delicado. Era um sorriso ingênuo e fascinante.
- Não, não sou casado, responde ele depois de uma pausa.
Susan dá mais um passo e seus rostos ficam muito próximos um do outro. Ela parece não resistir àquele homem. Arde de desejos por ele. Por vezes estão completamente entregues. Perdidos um no olhar do outro, parece que nada mais precisam, a não ser um do outro. Estão cada vez mais próximos, quase se beijando. Intrigada (e encantada) com a beleza do anjo, ela lança outra pergunta:
- Está sozinho neste mundo?
O silêncio é quebrado por uma música de fundo, que sela de vez o que ambos já não conseguem expressar. Ela, bela como uma manhã de primavera, lábios anelantes, um olhar capaz de sacudir e envolver a própria morte. Ele, por sua vez, visivelmente perturbado por uma inundação de beleza, sentimentos que ele jamais soube que existia dentro dele, impalpável, profundo, transpassa-lhe por dentro. Seu olhar de ajo exterminador encontrou um mistério maior para si mesmo. Agora o amor o lança para além de si e do seu próprio mistério. Seu mistério, o que trazia como emblema de si mesmo, agora encontra algo maior: o amor.

Como disse Oscar Wilde: “O mistério do amor é maior que o mistério da morte.” É como se o mistério da morte se desvelasse diante do mistério do amor. A morte, assim, ficou menos misteriosa para si mesma, ao conhecer o amor.
A cena muda para uma reunião. Agora é o Drew, suas conspirações, os negócios, a empresa, a fusão com outra empresa, as burocracias dos negócios, a lógica do mercado, as intrigas, enfim, tudo aquilo que os homens, quando não estão vivendo intensamente, procuram para perder o seu precioso tempo e embotar sentimentos.
A cena é deslocada para um jantar na casa do Bill. Um jantar com toda a família. O mistério está em volta, mas Bill entedia-se e faz Allison chorar. Por pouco não estraga o jantar. Mas consegue contornar e todos voltam a sorrir. A mesa, o jantar, os pratos, os talheres, a vela acesa, a música de fundo. A vida desabrocha, a morte sorri e pede mais intensidade, pois a sua presença nos alerta que só o essencial interessa. Ela própria sorri do outro lado da mesa. O sorriso de quem conhece a urgência e a valorização do tempo. Não o tempo que não passa – o tempo daqueles que vivem só para matar o tempo – mas o tempo vivido intensamente e ininterruptamente. Como a chama da vela sobre a mesa: arde até se apagar.
Joe e Susan, logo após o jantar, passeiam dentro da casa enorme e monumental. A música de fundo, os livros na biblioteca do pai, a parca luz que vem dos abajures. Ali, tão perto um do outro, Susan, com uma voz suave e delicada, já não aguentando mais esperar, pergunta:
- Joe, posso te dar um beijo?
Eles se beijam. Ao sentir os beijos de Susan, parece extasiado. A música intensifica o momento. Joe, como quem recebe uma dádiva, diz-lhe: obrigado (pelo beijo). Eles ficam ali, sentindo a presença irrevogável um do outro. Joe está visivelmente arremessado, perpassado. A voz suave de Susan quebra o silêncio paradisíaco para fazer – outra vez - a pergunta proibida:
- Não sei quem você é.
Joe responde:
- Sou Joe. Você é a Susan. E continua:  - sinto uma fraqueza nos joelhos...foi o gosto de seus lábios e o toque de sua língua.
A cena é interrompida pela entrada de Bill na sala.
A cena move-se para a diretoria da grande empresa de Biil. Reunião de negócios. Nada ali lembra o que há muito tempo esquecemos. Como disse Heidegger, “esquecemos que esquecemos”. É no esquecimento que a morte pode nos deslocar desse perímetro e nos relembrar do que não podemos esquecer. Somente a morte tem essa urgência e esse poder.
A cena se volta para uma piscina na casa de Bill. Toda ela é de uma beleza e luxo que impressionam. Joe está à beira da piscina a contemplar-se no reflexo da água. Como Narciso, ele está encantado com o seu reflexo na água. Mas o sentido aqui é outro. Enquanto anjo encarnado, Joe, a morte, está encantado com o que este mundo pode lhe proporcionar através dos seus cinco sentidos. Está “admirado” com o mundo da matéria. Mas não faz nenhum julgamento moral ou negativo a respeito. Nenhum. Ele nos faz lembrar Blake: “energia é delicia eterna”.
Susan o surpreende se contemplando na água. (Ela diz que estava passando por perto e resolveu para em casa. Mas tudo não passava de pretexto para ver Joe).
Ao notar a presença de Susan, Joe levanta-se. Susan se encaminha em sua direção e lhe beija. Ela começa a despi-lo ali mesmo. Ele fica meio sem jeito, mas logo começa a ajudá-la a se despir. Nus como a dança nua das auroras, beijam-se ardentemente. Os corpos em fogo. Banquete na pira extática a arder no abraço dos copos nus. A luz que vem das janelas em forma de vitrais ilumina seus corpos nus. Cada olhar, cada gesto, cada toque mostra a nudez como se fosse uma obra de arte da criação, o que de fato é.
Ambos, após voltarem do ritual orgástico, ainda respirando o ar do paraíso, ficam a colher todo o sentido que vem dos seus rostos que se miram. Susan confessa a Joe que sentia como se tivesse feito amor com uma pessoa que fez amor pela primeira vez. Pergunta se ele gostou de fazer amor com ela. Ele, ao contrario dela, não faz essas perguntas inapropriadas; ele está profundamente embebido daquela experiência. Parece sentir-se como se não existisse qualquer alfabeto que possa dar conta de descrever o que sente e vê. Ela parece, neste momento, muito mais a forma padrão e estereotipada que tomou conta das relações. A total perda da inocência desses sentidos, tal como nos lembra Rilke e Nietzsche. A queda completa, diria Norma O. Brown. 


Joe mostra-se quase em êxtase. Ela parece não transcender esses limites das convenções sociais e sua experiência não alcança mais do que ocorre nos relacionamentos mornos, feitos para durar conforme as convenções. Ainda assim ela parece querer captá-lo, mas tudo que faz são tentativas vãs de abarcar aqueles momentos únicos fazendo perguntas proibidas.
- Aonde vai? pergunta ela.
- A lugar algum. Estou aqui, responde ele.
Sim, porque tudo está ali. Tudo. E todas as latitudes do momento se dissolvem no eterno presente
- Até quando? pergunta ela.
- Espero que por muito tempo, responde ele.
Resposta suficiente para alguém começar a contar os anos, meses, dias, horas e minutos. É quando começamos a nos apossarmos do outro, nos lembra Rilke.
Joe vai ao Hospital a procura de Susan, mas confunde seu horário de trabalho. Para não perder a viagem, vai conversar (pela segunda vez) com a velha doente. Ela o chama de “Obeah”, que é uma forma de xamanismo muito antigo e encontrado nas Antilhas. Seria o Pai de santo no Brasil.
Ela pede que a morte a leve embora deste mundo.
- Não, velha, estou de férias, diz ele.
- Que lugar escolheu! Responde ela com admiração e espanto.
O dialogo entre os dois é rico e impressionante. Impressionante. Diria que divide o filme em duas partes, se quisermos, mas que se complementam, já que o assunto é longo e rico. Ela o ajuda a dissuadir-se de permanecer neste mundo. Não é para ele, diz ela. No entanto, a passagem da velha é um capitulo a parte. Descreverei isso em outro momento oportuno.

Estamos nos encaminhado para a cena final

A festa de aniversario de Bill. Uma festa milionária. Até o presidente do país foi convidado.
Em meio a tanta gente, luxo e pompas, Susan e Joe se encontram no meio da festa. Como sempre, Susan quer saber quem é Joe. Isso é muito importante para ela. É recorrente. Mas também é uma coisa que acontece a quase todo mundo que se descobre gostando de alguém. É o sinal que o mito quer nos mostrar. Não pergunte. 
- Me apaixonei por um homem que não sei quem ele é, nem aonde vai, nem quando, diz Susan a Joe, ali, bem em meio da festa.
- Posso dizer quando. Esta noite, diz Joe.
Ao contrario de Susan, Joe só quer estar a cada minuto com ela, mas sem se preocupar com perguntas. Ele a quer sem reservas. Nada a perguntar. Ele só deseja ficar com ela. Não quer nunca partir. Só a quer. E isso é tudo.
- Me apaixonei por uma mulher que não quero deixar. Não quero ir embora, diz Joe.
Susan, com olhos em lágrimas, abraça Joe e lhe diz:
- Então não vá.
Ambos parecem não suportar o olhar longe do outro. O amor de ambos não encontra medida. Se abraçam em lágrimas. O silêncio leva as palavras e deixou ficar o sentido. O sentido está estampado em seus rostos que se miram.  Joe mostra o quanto a ama. A linguagem, impossível. É algo forte e desesperador. É quando as palavras não conseguem traduzir tudo o que sentimos e pensamos sobre a pessoa a quem amamos desesperadamente.  Faz-se necessária a presença da pessoa amada ao longo da jornada, para que se diga, não uma vez ou duas, mas todas as horas e dias o quanto tudo só faz sentido quando amamos.
Visivelmente emocionado e sem querer deixar Susan, ele diz:
- Sabemos tão pouco um do outro. Há tanto que devia te dizer.
- Esperarei. Vai chegar o memento. Vai chegar. Quero ficar com você, Joe, diz ela desesperadamente.
Joe fica confuso e já pensa em levar Susan para o outro mundo com ele. Vai até o escritório de Bill. Bill discorda e os dois têm um pequeno desentendimento. Na conversa entre os dois, Bill diz sabiamente a Joe:
- O amor não pode causar dano ao amado.
Joe volta do escritório de Bill, confuso e contrariado e encontra Susan na festa. Joe pega a mão de Susan e beija-a. Susan está deslumbrante. Eles conversam sobre o primeiro encontro que tiveram na lanchonete. Susan começa a chorar. Sente que é uma despedida. Pergunta entre as lágrimas se ele quer que ela o espere. Joe só pede que a deixe beijá-la. A música. O beijo. As lágrimas. A vida jorrando na sua infinitude, a festa e a celebração da sua mais completa expressividade.
Joe a beija como se fosse a primeira e última vez. Afaga seus cabelos. Ela sente o momento e diz:
- Parece um adeus... Joe, o que está havendo. Parece que estamos flutuando, diz Susan emocionada com tudo.
- Ainda estou aqui, diz Joe.
- Parece que está em outro lugar, diz ela.
- Não importa quem sou eu, diz ele para Susan.
- Diga que me ama agora, pede ela.
- Eu te amo agora e para sempre, diz ele.
Expostos à correnteza torrencial que ferve e que arde sem se ver, seus olhares parecem orbitas ígneas vindas ambas da mesma chama que os alimenta, o amor.  
Em desespero e ardendo no vórtice ciclônico, o anjo da morte silencia ante as respostas que não se encontram.  Olha para Susan e lhe diz:
- Susan, obrigado por me amar.
A festa transcorre vivamente. Bill faz um discurso. Joe, sentindo que é chegada a hora de deixar este mundo, afasta-se para contemplar melhor a grandeza daquilo tudo. Fogos estouram e clareia a noite, enquanto a música mantém viva a festa. As lágrimas escorrem pelo seu rosto. Sente que tudo é grande e maravilhoso. Ferido pelo mistério, não quer deixar este mundo, não quer deixar Susan.
Já ao lado de Bill, quando já estão prontos para partir, no limiar de uma colina, Joe olha para Bill e diz: “obrigado pelo tempo que me proporcionou”. Bill retruca: “é... é difícil largar isso tudo”. E desaparecem numa ponte curvada. 
 A morte, por um breve tempo, descobriu que queria ser vida.

Encontro marcado é O filme. É brilhante. Lindíssimo. Perfeito. 

O filme inteiro, que tem duração de três horas, é uma reflexão  constante sobre cada cena, cada diálogo. Todos os personagens têm uma importância significativa com o que acontece no entorno e com os demais, sobretudo no que diz respeito ao que gravita em torno de Joe Black e Bill. A emergência de Joe (a morte) contrasta com a indolência de Allison, que contrasta com o mau-caratismo de Drew, que contrasta com o pacato Quince, com a burocracia do mundo dos negócios. O filme nos tira do comodismo e nos leva a fazer perguntas, tais como: será que não estou deixando passar as oportunidades oferecidas pela vida? Ao fazer amor com o namorado (a), esposo (a), será que sinto como se fosse pela primeira vez (cada vez que se faz amor tem que ser única, nunca pode ser igual. Nunca)? Será que aprecio as pequenas coisas com a intensidade e a volúpia de quem sabe que as oportunidades são impares? Será que não nos privamos da muitas oportunidades que poderiam mudar nossas vidas, por medo de tentar? No entanto, diz Shakespeare: “Nossas dúvidas são traidoras e fazem-nos perder o bem que muitas vezes poderíamos obter, por medo de tentar”.

Será que tentamos? Que lutamos?

Entretanto, a luta mais inglória é aquela que nunca travamos; a coisa mais difícil é aquela que nunca fizemos, o amor maior é aquele que nunca tivemos, porque não abrimos o nosso peito e não expusemos o nosso coração. Ai o orgulho vence porque é mais forte. A vontade, frágil e debilitada, esconde-se por detrás das desculpas. Ai se perde justamente aquilo pelo qual nunca se lutou. E é justo. 

Bill, ao perceber que o relacionamento de Susan com o Drew, antes de ela conhecer Joe, é muito frio, distante, sem brilho, sem intensidade, sem amor, dá-lhe esse brilhante conselho:
Quero te ver arrebatada.
Flutuar, cantar extasiada, dançar como um dervixe.
Seja delirantemente feliz ou predisposta a ser.
Sei que parece pieguice, mas amor é paixão. Obsessão por alguém que não pode viver sem.
Cair de quatro.
Amar loucamente alguém que corresponda seu amor
Como vai encontrá-lo?
Esqueça a razão e siga o coração.
A verdade é que sem isso a vida não tem sentido.
Terminar a longa jornada sem ter amado seria como não ter vivido.
Tem que tentar.
Porque se não tentar, não terá vivido.
Fique receptiva,
Quem sabe o céu pode se abrir!

A qualquer momento o céu pode se abrir. É quando, nesses auspiciosos momentos que a vida sempre nos reserva, as fretas se abrem e lá está alguém a quem nos entregamos por completo. Sem reservas, sem perguntas.  Alguém que corresponda com a mesma intensidade e loucura todo o amor que sentimos. Os dois passam a ter a mais sublime e inefável das experiências, animados pela presença um do outro, deixando ver que um é o outro, ambos, totalmente imersos pela energia do amor, entrelaçados os corpos, seus rostos em lagrimas como se fosse o orvalho do ÉdenEstão sobre espelhos, imersos nos infindos caminhos de deleites que existem nas coisas eternas.
Só assim a vida terá valido a pena. Só assim teremos vivido.


Helder Modesto - Filósofo, escritor e professor

A favelização




Para Mike Davis, um dos pesquisadores mais respeitado no mundo, autor do livro "Planeta Favela" (2006), mostra uma minuciosa pesquisa sobre a favelização em todo o mundo. A história mostra que a humanidade sempre se organizou em torno de grupos que dominam, que se apropriam das riquezas da terra, dos seus recursos, enquanto o restante fica a margem, padecendo dos sofrimentos causados pela ganância dos poderosos.

Com a implementação do neoliberalismo que se iniciou nos anos 80 a marcha da exclusão ganharia proporções maiores. Aqueles que já não têm acesso à saúde, educação e moradia, dada a sua exclusão pelos mais fortes, passam a ficarem cada vez mais vitima do sistema que se reforça, privatizando todos os meios de proteção e de conquistas de direitos.

A exclusão está visivelmente escancarada pela favelização que ocorre em todo o mundo. Segundo Mike Davis 78,2% das populações dos países pobres é de favelados. Atualmente, mais de um bilhão de pessoas vive em favelas.

Expropriados de fazerem parte dos que têm o poder e a força, milhões de crianças são exploradas, escravizadas, lançadas a toda sorte de perversidade.

Se, realmente, vivemos numa época de perplexidades, com a divisão internacional do trabalho e com a fragmentação do processo produtivo por todo o planeta, parte da humanidade se apropria das riquezas e exclui milhões, enquanto a ONU prevê fortíssimo crescimento urbano até 2030, onde 80% da população viverão em cidades.

Se não houver políticas públicas como prioridade para reduzir essas imensas diferenças, as desigualdades, segregação e pobreza numa dialética da exclusão/inclusão nos frios mecanismos do mercado e da democracia formal, mostrando como a cidade capitalista mantém suas contradições, esse foço continuará crescendo.

É nesse cenário que se destaca a questão da alteridade no enfrentamento do Outro, em seu sentido ampliado, como o não familiar, o estranho e o estrangeiro. Nesse sentido, a desigualdade socioeconômica – também cultural e política – determina quem é outro, utilizando- se de argumentos racistas e xenófobos (Véras, 2001).



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