Uma leitora do meu blog, se
referindo a matéria sobre a crise do casamento, afirmou: “já acreditei no amor.
Já amei alguém e sei como é isso. Não faria de novo”. Uma outra, não muito
diferente da primeira, disse: “já amei alguém e não fui correspondida. Não
valeu a pena. Só sofri. Percebi que o casamento não é nada daquilo que falam os
contos de fadas".
Parece que as pessoas,
tomando essas duas como exemplo, e isso é mais comum do que se pensa, se casam
para serem felizes. É inevitável a decepção. A imagem que têm do casamento é
muito mais uma imagem que formam em torno das percepções distorcidas pelas
convenções sociais. Acreditam mesmo que esses modelos já prontos e formatados
de casamento, vida a dois, extraídos da vida em sociedade, mais em crise que nunca,
pode corresponder a suas expectativas. Como isso nunca funciona, NUNCA mesmo, o
resultado é que sobram decepções, um certo ar de tristeza, um tom melancólico e
amargo quando se fala em casamento.
Max Weber havia dito que
vivemos e presenciamos o "desencantamento do mundo". Isto é, aquilo
que constituía como experiências, como vivências pelos antigos, passou-se, com
a modernidade, a um modo processual como controle prático dos resultados e de
padronização da vida cotidiana. Desse modo, o processo pelo qual a natureza, a
sociedade e a ação individual são crescentemente enquadradas por uma orientação
voltada para o planejamento, o procedimento técnico e a ação racional
(Cardoso).
Não é à toa que não temos
mais necessidade de Oráculos (será?), de observar como os astros têm uma
correspondência direta em relação entre os eventos celestes e terrestres. Os
mitos, na nossa sociedade desencantada, cederam lugar a outros processos de
organização da vida. Entretanto,nossas experiências de mundo em torno dessa
estrutura não podem preencher o vazio deixado pelo abandono, naquilo que
Burnout analisa como aprofundamento do sofrimento humano, trazendo ansiedade,
melancolia, baixa auto-estima, sentimento de exaustão física e emocional, além
de um vazio que nunca é preenchido, já que os referenciais simbólicos sofreram
uma perda de suas interpretações. Como afirmou Jung, “os mitos são
principalmente fenômenos psíquicos que revelam a própria natureza da psique”.
É preciso realizar a
cartografia dos dispositivos e das linhas de força que comportam nossa
estrutura interna - na nossa psique - para que se possa chegar ao entendimento
dos processos de subjetividade que constroem as vivências individuais e
coletivas.
Nessa sociedade pós-moderna,
carente de todas as formas de relações e de sentidos, é preciso voltarmos a
estudar os mitos. Os mitos condensam experiências vividas repetidamente durante
milênios, experiências típicas pelas quais passaram os humanos. A literatura, a
arte, a poesia, os sonhos, os símbolos religiosos, todos compõem esse arcabouço
de vividas experiências do inconsciente coletivo da humanidade.
Todas as crises - sejam
quais forem elas, notadamente a do casamento - estão estreitamente ligadas a
perda das mais sublimes experiências da vida. Viver e extrair essas
significações subjetivas do lastro simbólico desse imenso oceano é reencantar o
mundo e a si mesmo.
Assim sendo, voltando as
duas leitoras acima, o casamento tal como se encontra hoje, dentro desse
contexto que expusemos, não poderia mesmo dar certo. Nada os prende na relação,
a não ser o medo à solidão, a dependência, a rotina, a resignação, o medo da
vida. Levam uma vida que logo sedimenta com a desculpa "me acostumei"
com ele e vice-versa. Ninguém consegue dar mais um passo. Ao chegar em casa do
trabalho, a receptividade é fria, sem emoção. Nenhum brilho no olhar, nenhum
abraço de quem já não aguentava mais esperar. Ambos não conseguem falar com a
ternura e o olhar de quem vê sua outra parte: “te amo”. Fazem somente um
cumprimento mecânico, sempre acompanhado de um sorriso no vácuo, um olhar de
circunstância, de um mesmo destino vago. O hoje foi só mais um dia, que amanhã
será igual ao ontem, sem novidade alguma, sem emoção.
Assim mesmo, percebendo e
sem ter coragem de mudar, eles ritualizam a monotonia do vazio. Como disse a
primeira leitora, “já acreditei no amor”. Agora, sem coragem para se aventurar
ou mudar, espera a morte passivamente. A outra, a exemplo da primeira, afirma
que só sofreu ao amar alguém. Só não percebe que seu martírio, o de viver com
alguém que não ama, prolonga os dias intermináveis, uma longa e penosa extensão
de sua fuga à sua outra metade, que a espera em algum parte, mas ela não irá ao
encontro. Prefere o vazio.