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quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

O vazio e desencantamento



Uma leitora do meu blog, se referindo a matéria sobre a crise do casamento, afirmou: “já acreditei no amor. Já amei alguém e sei como é isso. Não faria de novo”. Uma outra, não muito diferente da primeira, disse: “já amei alguém e não fui correspondida. Não valeu a pena. Só sofri. Percebi que o casamento não é nada daquilo que falam os contos de fadas".
 
Parece que as pessoas, tomando essas duas como exemplo, e isso é mais comum do que se pensa, se casam para serem felizes. É inevitável a decepção. A imagem que têm do casamento é muito mais uma imagem que formam em torno das percepções distorcidas pelas convenções sociais. Acreditam mesmo que esses modelos já prontos e formatados de casamento, vida a dois, extraídos da vida em sociedade, mais em crise que nunca, pode corresponder a suas expectativas. Como isso nunca funciona, NUNCA mesmo, o resultado é que sobram decepções, um certo ar de tristeza, um tom melancólico e amargo quando se fala em casamento.
Max Weber havia dito que vivemos e presenciamos o "desencantamento do mundo". Isto é, aquilo que constituía como experiências, como vivências pelos antigos, passou-se, com a modernidade, a um modo processual como controle prático dos resultados e de padronização da vida cotidiana. Desse modo, o processo pelo qual a natureza, a sociedade e a ação individual são crescentemente enquadradas por uma orientação voltada para o planejamento, o procedimento técnico e a ação racional (Cardoso).
Não é à toa que não temos mais necessidade de Oráculos (será?), de observar como os astros têm uma correspondência direta em relação entre os eventos celestes e terrestres. Os mitos, na nossa sociedade desencantada, cederam lugar a outros processos de organização da vida. Entretanto,nossas experiências de mundo em torno dessa estrutura não podem preencher o vazio deixado pelo abandono, naquilo que Burnout analisa como aprofundamento do sofrimento humano, trazendo ansiedade, melancolia, baixa auto-estima, sentimento de exaustão física e emocional, além de um vazio que nunca é preenchido, já que os referenciais simbólicos sofreram uma perda de suas interpretações. Como afirmou Jung, “os mitos são principalmente fenômenos psíquicos que revelam a própria natureza da psique”.
É preciso realizar a cartografia dos dispositivos e das linhas de força que comportam nossa estrutura interna - na nossa psique - para que se possa chegar ao entendimento dos processos de subjetividade que constroem as vivências individuais e coletivas.

Nessa sociedade pós-moderna, carente de todas as formas de relações e de sentidos, é preciso voltarmos a estudar os mitos. Os mitos condensam experiências vividas repetidamente durante milênios, experiências típicas pelas quais passaram os humanos. A literatura, a arte, a poesia, os sonhos, os símbolos religiosos, todos compõem esse arcabouço de vividas experiências do inconsciente coletivo da humanidade.
Todas as crises - sejam quais forem elas, notadamente a do casamento - estão estreitamente ligadas a perda das mais sublimes experiências da vida. Viver e extrair essas significações subjetivas do lastro simbólico desse imenso oceano é reencantar o mundo e a si mesmo.

Assim sendo, voltando as duas leitoras acima, o casamento tal como se encontra hoje, dentro desse contexto que expusemos, não poderia mesmo dar certo. Nada os prende na relação, a não ser o medo à solidão, a dependência, a rotina, a resignação, o medo da vida. Levam uma vida que logo sedimenta com a desculpa "me acostumei" com ele e vice-versa. Ninguém consegue dar mais um passo. Ao chegar em casa do trabalho, a receptividade é fria, sem emoção. Nenhum brilho no olhar, nenhum abraço de quem já não aguentava mais esperar. Ambos não conseguem falar com a ternura e o olhar de quem vê sua outra parte: “te amo”. Fazem somente um cumprimento mecânico, sempre acompanhado de um sorriso no vácuo, um olhar de circunstância, de um mesmo destino vago. O hoje foi só mais um dia, que amanhã será igual ao ontem, sem novidade alguma, sem emoção.
Assim mesmo, percebendo e sem ter coragem de mudar, eles ritualizam a monotonia do vazio. Como disse a primeira leitora, “já acreditei no amor”. Agora, sem coragem para se aventurar ou mudar, espera a morte passivamente. A outra, a exemplo da primeira, afirma que só sofreu ao amar alguém. Só não percebe que seu martírio, o de viver com alguém que não ama, prolonga os dias intermináveis, uma longa e penosa extensão de sua fuga à sua outra metade, que a espera em algum parte, mas ela não irá ao encontro. Prefere o vazio.

 
 



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