Faz tempo que assisti Blade
Ranner. Mas o frescor das últimas palavras de Roy, ferido mortalmente por quem
nunca viu ou sentiu “lágrimas na chuva”, nunca podem ser esquecidas:
“Eu tenho
visto coisas que vocês humanos nem imaginam, naves de ataque em chamas na borda
de Orian. Faróis brilhando na noite perto do portal de Tenhouser. E todos estes
momentos vão se perder no tempo. Como? Lagrimas na chuva. Hora de morrer”.
O que atinge e perturba em
Blade Runner é que ele nos lança na sensibilidade conducente de uma plenitude,
de um olhar que está fora do itinerário do homem desatento da realidade
lancinante do horizonte ontológico. Ser, viver e defrontar-se com o seu reverso,
a morte. Sofrer uma metamorfose, tomar outra forma e fundir-se ao ritmo
vertiginoso das grandes ascensões cósmicas. Mas viver é não deixar “se perder
no tempo”; é ver e sentir o seu próprio acontecimento na própria eternidade do
ser, é ter “visto coisas” arderem na vigília imanente da eternidade, é estar
sobre o retorno de algo esquecido, porque o homem esqueceu do próprio
esquecimento e por isso não se lembra da presença de uma ausência fervilhante.
Distante de ser capturado
pelo inapercebido da nossa dimensão, o confronto com a imagem concreta da
existência sacode o expectador que vive imerso na normopatia e o retira de uma
apatia social que há muito sedimentou suas resistências à resignação,
contenção, e dispersou-o nas mundividências humanas.
Assim vivendo, o cotidiano
despotencializado, imerso no tempo e na rotina, não mobiliza. Adormece. Mas a
eternidade, ela que se mostra em cada dobra da existência, que se deixa “ver”
no invisível do visível, recolhe o véu transitório e o faz escapar a mordedura
do tempo. Só então o espírito exulta de exuberância e luminosidade e recolhe
sua herança primeva, e, “brilhando” como
as roxas barreiras da aurora, vê as fantásticas brigadas “de ataque em chamas”,
vertendo da própria existência toda intensidade fina e cristalina. Mas “todos os momentos” - para quem não está vendo, para quem anda por essa terra
como quem caminha por um deserto -, Lamenta Roy, “vão se perder” e desaparecer
bem diante dos olhos, uma constatação dolorosa do extravio humano.
Num misto de gratidão [por
ter “visto” e vivido “coisas que os humanos nem imaginam”] e tristeza [por ver
que os homens não veem a beleza e profundidade das coisas], Roy dá o seu último
suspiro em lagrimas sob a chuva que cai. Seu olhar profundo abandona seu brilho.
Ao afrouxar as mãos, uma pomba branca voa e ascende a um céu e multiplica as
visões da eternidade.
Que texto filosófico e maravilhoso. Lembra a essência de um pequeno e grande sonho que tive na noite anterior (ontem); sobre o meu antepassado, onde em vigíla, pude contemplar, "a beleza e profundidade das coisas". É que no sonho, eu via a beleza da vida, que resplandecia de um passado distante e longíncuo, de harmônia entre o homem originário e a natureza. Mas tem muito muito mais a decifrar nesse sonho simbólico, como nesse texto belíssimo.
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