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quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A nossa identidade está na ordem do ser


 
Uma das características das sociedades contemporâneas é a redução da cultura a mero entretenimento, com a exacerbação dos sentidos, em detrimento da razão. Para estimular o consumismo, utilizam-se como atrativo recursos capazes de nos fazer sentir mais e pensar menos.
Dissemina-se uma cultura centrada no epidérmico, no qual predomina a estética em detrimento da ética, mais músculos do que cabeça, mais barulho (cacofonias) do que melodia. Tudo regido a excessos de sensações e simulacros de felicidade.
A cultura técnica e cientifica privilegia a significação fixa das necessidades do homem em detrimento da multiplicidade de significações que convergem a partir da cultura e das culturas. Faz crer que as necessidades adquirem status de significações dadas para a partir daí retirar os seus valores de utilidade e de satisfação. Nesse sentido, portanto, faz surgir o conceito técnico como primeiro plano, o que levaria a inserir o homem na ordem eminentemente prática da produção, de consumidor, e com isso difundiu-se uma maneira de ver o homem sob o aspecto utilitarista e pragmático, o que significa dizer que ele passa a ser julgado muito mais pela capacidade de produzir e de consumir e não pelo que ele é, ou em via de ser. Dessa forma o homem atribui um único sentido ao ser, sendo esse sentido fixado expressamente no pragmatismo doutrinário.
Aristóteles nos ensina a pensar o ser como unidade que exige equilíbrio nas esferas do sensível e racional. O que nos ajuda a pensar que esse progresso, emulado pelo modelo técnico-cientifico, não está na ordem do vir a ser da sua abscondidade e do seu próprio mistério. Antes, esvazia o sentido do ser e o coloca na mera roupagem da engrenagem do sistema venal e técnico.
Seres relacionais e racionais, como acentuavam os filósofos desde Sócrates, somos agora reduzidos a seres extrofiados, reduzidos da sua condição de abertura, estranhos a nós próprios, como afirmava o filósofo Kierkegaard, pois a nossa condição de seres pensantes – na famosa afirmação de Descartes – “penso, logo existo” – foi invertida para o “consumo, logo existo”.
A univocidade com a designação do consumo, introduzida pela estrutura capitalista como modo hegemônico de vivência, seguramente tende a se confirmar como significação abusiva e enganosa, desestruturando as relações sociais e ecológicas do mundo globalizado.
Bem percebeu Platão, quando imagina um Estado em que todos os estágios da vida humana não se originam necessariamente segundo modelo de produção econômica; antes, é na perspectiva da vida contemplativa das ideias que faz com que o homem se apaixone, não pela ideia de produção, mas na via do senso da perfeição; não na perspectiva do mais, mas do melhor.
Urge preparar cada individuo para pensar. Fazer com que cada um descubra o mistério agônico da sua condição de ser, que, diferentemente dos animais, ele é responsável pelo próprio destino; que a sua individualidade – não essa dissemina pelo modelo neoliberal, onde os indivíduos se comportam como seres atomizados, girando como que na solidão dos átomos – é a via que lhe confere subjetividade. E essa subjetividade é que lhe outorga responsabilidade pessoal e coletiva. Eis o terreno da ética.


Artigo que publiquei no Jornal Chega São Paulo

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