Uma
das características das sociedades contemporâneas é a redução da cultura a mero
entretenimento, com a exacerbação dos sentidos, em detrimento da razão. Para
estimular o consumismo, utilizam-se como atrativo recursos capazes de nos fazer
sentir mais e pensar menos.
Dissemina-se
uma cultura centrada no epidérmico, no qual predomina a estética em detrimento
da ética, mais músculos do que cabeça, mais barulho (cacofonias) do que
melodia. Tudo regido a excessos de sensações e simulacros de felicidade.
A
cultura técnica e cientifica privilegia a significação fixa das necessidades do
homem em detrimento da multiplicidade de significações que convergem a partir
da cultura e das culturas. Faz crer que as necessidades adquirem status de
significações dadas para a partir daí retirar os seus valores de utilidade e de
satisfação. Nesse sentido, portanto, faz surgir o conceito técnico como
primeiro plano, o que levaria a inserir o homem na ordem eminentemente prática
da produção, de consumidor, e com isso difundiu-se uma maneira de ver o homem
sob o aspecto utilitarista e pragmático, o que significa dizer que ele passa a
ser julgado muito mais pela capacidade de produzir e de consumir e não pelo que
ele é, ou em via de ser. Dessa forma o homem atribui um único sentido ao ser,
sendo esse sentido fixado expressamente no pragmatismo doutrinário.
Aristóteles
nos ensina a pensar o ser como unidade que exige equilíbrio nas esferas do
sensível e racional. O que nos ajuda a pensar que esse progresso, emulado pelo
modelo técnico-cientifico, não está na ordem do vir a ser da sua abscondidade e
do seu próprio mistério. Antes, esvazia o sentido do ser e o coloca na mera
roupagem da engrenagem do sistema venal e técnico.
Seres
relacionais e racionais, como acentuavam os filósofos desde Sócrates, somos
agora reduzidos a seres extrofiados, reduzidos da sua condição de abertura,
estranhos a nós próprios, como afirmava o filósofo Kierkegaard, pois a nossa
condição de seres pensantes – na famosa afirmação de Descartes – “penso, logo
existo” – foi invertida para o “consumo, logo existo”.
A
univocidade com a designação do consumo, introduzida pela estrutura capitalista
como modo hegemônico de vivência, seguramente tende a se confirmar como
significação abusiva e enganosa, desestruturando as relações sociais e
ecológicas do mundo globalizado.
Bem
percebeu Platão, quando imagina um Estado em que todos os estágios da vida
humana não se originam necessariamente segundo modelo de produção econômica;
antes, é na perspectiva da vida contemplativa das ideias que faz com que o
homem se apaixone, não pela ideia de produção, mas na via do senso da
perfeição; não na perspectiva do mais, mas do melhor.
Urge
preparar cada individuo para pensar. Fazer com que cada um descubra o mistério
agônico da sua condição de ser, que, diferentemente dos animais, ele é
responsável pelo próprio destino; que a sua individualidade – não essa
dissemina pelo modelo neoliberal, onde os indivíduos se comportam como seres
atomizados, girando como que na solidão dos átomos – é a via que lhe confere
subjetividade. E essa subjetividade é que lhe outorga responsabilidade pessoal
e coletiva. Eis o terreno da ética.
Artigo que publiquei no
Jornal Chega São Paulo
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